Residência em Punta del Este: quantas cidades brasileiras podem contar com o clima idílico do Uruguai, além dos avanços sociais do país mais liberal da América Latina? |
Sinopse da terceira aula - dias 21 e 23 de agosto de 2006 - do Núcleo de Estudos de Habitação da Faculdade de Administração Pública - Universidade São Marcos - Campus Paulínia - SP.
Por Jean Tosetto
O sucesso de uma política habitacional não pode ser medido apenas pelo número de unidades construídas. Por vezes, um número menor de habitações - mais qualificadas - podem resultar, em seu conjunto, num avanço consistente em termos de inclusão social e preservação do meio ambiente.
A inclusão social passa, também, pela inclusão digital
Um computador pessoal, antes inacessível à maioria dos brasileiros, já pode ser comprado, inclusive com financiamento público, por cerca de mil reais. De pouco adiantará se ao chegar em casa, o usuário procurar por uma tomada de três pontos - devidamente aterrada - para ligar o aparelho e não encontrar. Da mesma forma o acesso à internet necessita de conexão via telefone. Tais instalações são imprescindíveis nas novas construções. Instalações elétricas bem dimensionadas economizam energia ao evitarem desperdício. O fim dos "apagões" e das sobrecargas nas hidrelétricas passam por esta questão.
O sol
Ainda no campo da economia de energia elétrica, cabe mencionar a questão de aproveitamento da energia solar, especialmente para o aquecimento de água. Equipamentos disponíveis no mercado, que usam placas e reservatórios térmicos, não saem por menos de dois mil reais em média, para uma família de cinco pessoas - além do fato das tubulações nas paredes precisarem ser adequadas. Mas existem pesquisas nas universidades com propostas alternativas mais baratas, e mesmo tentativas populares com materiais rudimentares - inclusive utilizando mangueiras de jardim enroladas sobre o telhado! Cabe aos gestores públicos incentivar e firmar convênios com universidades, para difusão destas técnicas, nas mais diversas esferas das políticas habitacionais.
A chuva
O Brasil é tido como um país tropical com períodos sazonais altamente chuvosos. É impressionante, portanto, como não fazemos uso deste potencial. As águas da chuva, quando retidas em cisternas através de calhas coletoras nos telhados, podem ser usadas, no mínimo, para lavagem de quintal e rega de jardins, assim como em vasos sanitários.
Em regiões do norte e nordeste, livres das chuvas ácidas, este uso pode ser ampliado. Trata-se de um assunto que não pode ser mais ignorado, se considerarmos que os recursos hídricos estão cada vez mais escassos. Tais cisternas podem, no mínimo, funcionar como retardadoras do excesso de água de chuva, que toma as ruas das cidades, provocando alagamento das regiões mais baixas.
Em termos de políticas habitacionais, pode-se financiar ou mesmo ofertar subsídio à construção de cisternas para as classes mais populares; criar mecanismos de incentivo para as classes intermediárias (desconto em IPTU, por exemplo) e condicionar a implantação de novos loteamentos fechados e condomínios à aplicação deste procedimento. De forma que todos ganharão com isso.
As águas servidas
Algumas cidades exigem, além do projeto arquitetônico, o projeto de tanque séptico e sumidouro (fossa) no momento de aprovar a construção de uma casa em loteamento que não tenha rede de esgoto.
O princípio do tanque séptico é bem simples, sendo dimensionado em função do número de moradores da casa. Ele recebe o esgoto "bruto" da casa e faz decantar as partes sólidas em seu fundo, deixando passar basicamente a parte líquida para a fossa, que demorará mais para ficar cheia. As bactérias ajudam a decompor rapidamente as partes sólidas, de forma que raramente é necessário fazer a limpeza do local.
Se todas as casas possuíssem um tanque séptico como estação primária de esgoto, mesmo nos bairros com rede coletora, o tratamento secundário feito em grandes estações seria mais barato. Semelhantemente à questão das cisternas, os tanques sépticos poderiam ser incorporados às políticas habitacionais, como instrumento benéfico ao meio ambiente.
A terceira idade
O perfil da população brasileira está mudando paulatinamente. Estamos deixando de ser um país eminentemente jovem, para ser uma nação de muitos idosos. Para eles, que sabem que a terceira idade não é a "melhor idade", é necessário que as moradias levem em conta suas limitações motoras crescentes. Aquela "inofensiva" maçaneta circular precisa ser aposentada e dar lugar aos modelos de alavanca, por exemplo. É preciso lembrar também que os idosos tem mais dificuldade para vencer lances de escada e planos fortemente inclinados. Favor não "sortear", portanto, apartamentos no terceiro andar - sem elevadores - para eles!
Mobilidade e acessibilidade para todos
A cerca de dois mil anos, os deficientes físicos eram comumente abandonados, juntos aos leprosos, em vales e grutas do oriente médio. Precisamos mostrar que evoluímos neste ponto, mas por enquanto está difícil, especialmente quando nossos banheiros residenciais são acessados por portas de apenas 60 cm de largura. Uma pessoa considerada "normal" tem largura menor, mas isso não se aplica a quem usa uma cadeira de rodas ou andador.
Esta é uma questão difícil, especialmente nos edifícios de apartamentos, mesmo que nos foquemos apenas nos sanitários: em média eles teriam que ter quase o dobro do tamanho usual para atender à todos. A sugestão é que o pavimento térreo (no caso de edifício sem elevador) reserve uma parte dos apartamentos para moradores deficientes, cabendo aos arquitetos e engenheiros resolverem a transição para os pavimentos superiores. Ao administrador público reserva-se o direito - e o dever - de mencionar tais aspectos em licitações ou editais de concursos para projeto e construção, ou ainda normatizar o procedimento no caso da iniciativa privada.
Políticas habitacionais: o leque deve ser aberto!
Ao incorporar os aspectos acima citados fica evidente que os custos de construção das unidades habitacionais aumentam sensivelmente, mas é dever dos agentes públicos e privados tirar deles a áurea de meras utopias. Precisamos construir e morar de forma condizente com o nosso tempo, para não ficar reféns de modelos ultrapassados, carregados de heranças seculares. Temos que romper com a mediocridade.
Da mesma forma, não podemos resumir política habitacional a "construir casas para os pobres". É possível tratar o tema englobando todas as camadas das população, ora subsidiando e financiando os mais pobres, ora incentivando e simplificando as coisas para a classe média, ora pedindo ou condicionando algo dos mais ricos, pois numa sociedade solidária eles podem colaborar.
A seguir: Estatuto da cidade - considerações
Anterior: Projeto e construção: aspectos históricos
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