O Arco do Triunfo Pop

As vezes você se vê obrigado a ousar. Quando se confia que um trabalho - seja universitário, seja profissional - está bem feito, sente-se uma espécie de tentação em "colocar a cereja no bolo". É um chavão que retrata outro: "O ótimo é inimigo do bom". A intuição de querer melhorar o que já é bom, implica no risco de por tudo a perder.

A proposta feita em sala de aula era clara: projetar um arco do triunfo que retratasse uma batalha vencida por militares de uma era há muito tempo encerrada. Os desenhos estavam prontos. Faltava escolher o lema na inscrição central e os personagens a serem emulados. Demos uma banana de dinamite para os imperadores e generais. Colocamos os Beatles no lugar.

Na época, eu e meu colega de trabalho ouvimos os piores comentários que se pode receber antes da entrega de um projeto como este. Em geral gostavam dos desenhos, mas diziam que tiraríamos um zero bem redondo, o que significaria a reprovação da disciplina naquele semestre. Entregamos os desenhos mesmo assim. Foi um pequeno triunfo que ainda ecoa em doces lembranças.

A capa do trabalho universitário, por si só, já antecipa o caráter contestador das formalidades exigidas, tanto na apresentação do mesmo quanto na execução do projeto de uma obra clássica. A mistura do novo com o tradicional foi arriscada. Nada de datilografar o nome dos participantes: tudo foi resolvido com uma colagem de cópias de documentos e rascunhos utilizados no estudo.

O arco do triunfo é uma criação dos romanos na era clássica, para registrar as grandes vitórias de seus imperadores em batalhas. Neste caso os homenageados não são guerreiros, mas pacifistas. São eles: George Harrison, Paul McCartney, John Lennon e Ringo Starr. O lema em latim: "QUO NECESSITAS AMORE EST". Em inglês: "All You Need Is Love". Tudo que você precisa é amor.

A seção longitudinal do projeto foi uma das mais fáceis de executar. A tarefa requerida pelo professor  Mário D'Agostino, da disciplina de História da Arquitetura da FAU PUC de Campinas em 1996, consistia no desafio de mesclar duas ordens clássicas de difícil junção, e mesmo assim fazer com que o ponto central do arco fosse também o ponto central de toda a edificação. 

A vista lateral  mostra várias linhas e decorações clássicas, mas o objetivo do trabalho não era ensinar o estudante a reproduzir formas tradicionais, mas compreender o modo de trabalhar com razões e ritmos matemáticos, como um caminho para garantir a beleza estética das construções. Resolver o "enigma" proposto foi um grande prazer, dividido com o colega Gilberto Sampaio.

A seção transversal corta o arco exatamente ao meio, e estabelece uma comparação imediata das colunas da ordem principal, mais alta, com as colunas da ordem secundária, que não contam com base elevatória e com as caneluras. A ordem principal é a coríntia, e a ordem secundária é a jônica, cujo capitel que arremata o fuste transmite uma leveza baseada em formas fitomórficas.

A planta baixa do projeto do arco triunfal contém as projeções das cornijas e do entablamento da obra, bem como  a demarcação dos nichos dos personagens coadjuvantes do motivo retratado, no caso, extraído do enredo do filme de animação "Yellow Submarine" - cuja capa do álbum da trilha sonora dos Beatles serviu de modelo para a reprodução das figuras.

Perspectiva feita a mão livre do Arco do Triunfo Pop. O jogo de luz e sombras, aliado ao ponto de fuga no infinito, auxiliam o observador a compreender a volumetria da edificação, diferenciando as colunas principais, que são salientes, das colunas da ordem secundária, aderidas ao corpo principal. Na lateral, as colunas da ordem principal seguem o princípio da ordem secundária.

Esquema geométrico, desenhado em folha translúcida sobre uma imagem do arco, salienta as relações métricas entre as partes, demonstrando o ritmo entre as colunas e as proporções alcançadas no projeto. A razão 3/2 pode ser reconhecida tanto no ritmo como nas proporções. O ponto central do arco é o mesmo de toda a elevação frontal.

Arcos triunfais em Roma

Cerca de um ano e meio após apresentar o "Arco do Triunfo Pop" no ambiente universitário, tivemos a oportunidade de realizar uma viagem de estudos à Itália, entre os meses de janeiro e fevereiro de 1998. Na ocasião, fotografamos dois dos principais exemplares de arcos triunfais clássicos. O mais famoso, no entanto, é neo-clássico e fica em Paris, França, sendo construído no começo do século XIX por ordem de Napoleão Bonaparte.

O Arco de Tito, imperador romano que ocupou Jerusalém no ano de 67, foi construído e decorado com mármore no ano de 81 depois de Cristo. Localiza-se no centro histórico de Roma, no monte Capitolino, e contém símbolos do judaísmo, cujos seguidores se recusaram a passar sob a obra até 1948, ano de criação no novo estado de Israel.

Constantino oficializou a crença em Jesus Cristo por parte do Império Romano, mas foi pela  vitória na Batalha da Ponte Mílvio, que ele ganhou seu arco triunfal em 312, construído próximo ao Coliseu de Roma. Suas três passagens curiosamente podem representar os princípios da cultura ocidental, quais sejam: a ética judaico-cristã, a filosofia grega e o direito romano.

Comunicado via rede social sobre a publicação deste artigo, o professor Mário D'Agostino fez o seguinte comentário:

"Caro Jean, bom saber que aquele exercício deixou boas lembranças! Desenvolvo um trabalho algo similar com pesquisadores de iniciação científica do Laboratório de Modelos Tridimensionais que coordeno na FAUUSP. Grande abraço!"

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2 comentários:

  1. Parabéns, ficou lindo. Minha professora de Artes me pediu um desenho de uma casa que mesclasse colunas romanas e arcos, quando vi as suas obras, me maravilhei. Você mudou a minha vida, vou ser arquiteta graças a você.

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    1. Que honra! Desejo sucesso e boa sorte na faculdade e na carreira, estimada anônima. Lembre-se que este Arco do Triunfo é um exercício de faculdade, e que na profissão devemos ser tão modernos e contemporâneos quanto for possível.

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