JEAN TOSETTO é arquiteto |
Escrevo esta carta aberta motivado pelas linhas que o senhor redigiu a respeito dos arquitetos no site da revista Época - uma publicação das organizações Globo, que exibe as novelas de sua autoria - disponíveis neste link.
Como arquiteto da vida real desde 1999, não me vi retratado na sua crítica, endereçada a arquitetos típicos das novelas que você escreve. Tenho por conduta profissional não receber comissões ou reservas técnicas de qualquer fornecedor, e posso apresentar dezenas deles para comprovar minha afirmação. Minha fonte de renda profissional é exclusiva dos projetos que realizo e das consultorias que faço. Já fiz consultorias para fornecedores ou prestadores de serviço que atenderam meus clientes? Sim, e recebi justamente por isso, de modo transparente. Nosso tempo e nosso conhecimento deve ser remunerado, mas sem prejuízo para terceiros.
Se não me vi retratado por você, logicamente não me senti ofendido. Porém, diferentemente de você, faço parte de um conselho profissional, o CAU - algo que não existe no seu ramo. Arquitetos e urbanistas possuem um código de ética para respeitar. Talvez você não saiba disso, dado que seu foco seja outro. Então deixe-me explicar para você como um arquiteto da vida real trabalha:
A grande maioria dos arquitetos, espalhada pelo interior do Brasil, trabalha com projetos residenciais. Estes profissionais recebem muitas famílias em seus escritórios, de vários estágios: desde noivos querendo uma casa para casar, casais recém formados esperando o primeiro filho, famílias compostas querendo sair de um apartamento para uma casa maior, casais aposentados querendo uma casa menor. Família, casa, lar. Um lar é composto por uma família e a função do arquiteto, muitas vezes, é ajudar a família a estruturar seu lar, através de uma casa nova ou reformada.
Arquitetos da vida real não andam por aí com carros de montadoras coreanas - que patrocinam novelas, mas não patrocinam gente comum. Arquitetos precisam pagar as contas e nem todos o fazem apenas com a renda de projetos. Então, existem arquitetos que aceitam as reservas técnicas que você citou. Isso está certo ou está errado? Embora não seja minha postura atuar com este procedimento, não posso dizer que meus colegas estão errados, uma vez que são as empresas que oferecem a RT, sistematicamente.
Você deseja criticar esta prática? Então dirija seu inconformismo para as empresas, e não para os arquitetos. Ou você gostaria que eu fizesse uma crítica aos autores de novelas pois elas são repletas de merchandising? Na tela da TV não vemos apenas uma trama que geralmente conduz a um final onde ficam perguntando quem matou quem. Enquanto isso, uma série de produtos e serviços estão expostos, explícita ou implicitamente em cada cena.
Imagino que a sua remuneração como autor de novelas seja excelente para o padrão brasileiro. Suas novelas rendem muita audiência e isso atrai anunciantes. Logo, o seu salário é pago indiretamente pelas empresas que fazem merchandising no enredo ou veiculam publicidade nos intervalos de cada capítulo. E não seria exagero afirmar que muitas empresas que pagam reservas técnicas para os arquitetos são as mesmas que patrocinam as novelas.
Ou seja: alguns autores de novelas e alguns arquitetos possuem renda da mesma origem. Mas creio que as semelhanças param por aí, e agora falo exclusivamente por mim: na minha carreira nunca projetei quartos para amantes, nunca recebi maridos com três esposas no escritório e sequer esposas com dois maridos. Meu objetivo sempre foi ajudar na construção dos lares, através dos projetos. Quem vem ao meu escritório ainda não tem um projeto de construção, mas já tem um projeto de vida.
Infelizmente não posso afirmar o mesmo de alguns autores de novelas e, para usar o seu expediente, faço a ressalva de que não são todos, obviamente. O que costumamos ouvir é que as novelas exageram nos maus exemplos, ao retratarem com linhas turvas a destruição de lares, com a profusão de traições entre casais e comportamentos obtusos de vários personagens.
Ao que parece, arquitetos e autores de novelas trabalham em direções opostas, na construção e destruição de lares.
Sinceramente fiquei sem palavras com seu texto! PARABÉNS pelas palavras, estava inconformada com a barbaridade escrita pelo tal "autor de novela". E você retratou de forma educada o meu sentimento e de todos que amam essa profissão belíssima, e que a cada dia mais tem conquistado seu espaço! Muito sucesso na sua vida e carreira!
ResponderExcluirAt.
Daiane Pauli
Estudante de Arquitetura e Urbanismo
Jean, queria dar minha opinião sobre o assunto, respeitosamente. Acho que se você quer defender sua profissão, defenda-a dos maus arquitetos, retratados pelo Walcyr Carrasco. É claro que não são todos que fazem isso, mas existem muitos, como você bem sabe. Assim, os bons arquitetos serão valorizados. A crítica deveria ir para as empresas? Desculpe, mas considero uma decisão altamente pessoal do profissional decidir se, geralmente sem que o cliente saiba, ele induza a utilização de algum material, para receber um extra. Afinal, o arquiteto é um técnico contratado para apresentar a melhor opção técnica e de custo para o contratante ou um promotor de vendas quinta categoria? Atacar a classe de novelistas é perder a razão, é estimular a competição do "vamos ver quem é menos pior". Você, como um arquiteto sério, acho que é deveria se juntar ao novelista e atacar os maus-arquitetos, para valorizar a profissão.
ResponderExcluirExcelente texto! Parabéns!!!
ResponderExcluirParabéns!! Obrigada por nos defender :)
ResponderExcluirabraço
Publico democraticamente todos os comentários de anônimos, desde que redigidos de forma educada, mesmo discordando de mim.
ResponderExcluirGostaria de refletir mais um pouco sobre a busca de audiência, o que motiva o crescimento da receita publicitária de uma novela: em que base uma audiência é perseguida? Não vou responder, vou deixar para cada um refletir.
Existe uma questão ética das empresas e anunciantes, sim senhor! Elas alimentam a sanha pela audiência através de recursos moralmente questionáveis e elas oferecem todas as tentações para arquitetos receberem as chamadas reservas técnicas.
Obviamente não sou contra as empresas. Não sou quixotesco! Mas tenho minhas condutas profissionais que não troco pelas facilidades alheias.
Quando uma empresa ou ou prestador de serviço é ótimo no que faz, eu tenho grande satisfação em indicar espontaneamente para os meus clientes, pois lá na frente, me torno amigo deles.
É uma receita que quero empurrar para todos na minha profissão? Não. É apenas o meu testemunho.
Prezado Arquiteto Jean Tosetto.
ResponderExcluirNão o conheço pessoalmente mas vi muito valor nas suas palavras. Você parece ser um arquiteto competente e ético.
No entanto, tenho de concordar com o seu leitor (infelizmente, anônimo) que fez o segundo comentário (25/10/12 17h00): seu erro foi o mesmo do presidente da AsBEA, na nota que publicou no dia 15/10/2012: vocês dois, em vez de atacar o autor do artigo (Valcyr Carrasco) deveriam apenas defender os muitos (milhares) de profissionais que não se enquadram no perfil descrito pelo novelista. Infelizmente nós sabemos que ele têm razão em tudo o que escreveu, exceto na generalização que fez.
Eu (por dever de ofício) conheço milhares de arquitetos de todo o Brasil. E sei que a maior parte deles trabalha honestamente e não aceita esse "por fora" que é a tal da Reserva Técnica.
Porém, você sabe, tanto quanto eu, o Valcyr Carrasco e toda a torcida do Flamengo, que os profissionais que aceitam essa verdadeira PROPINA dos fabricantes e logistas existem sim. E não são poucos.
E, na minha opinião, eles estão acabando com a credibilidade e o prestígio dos verdadeiros arquitetos, que tiram o seu sustento honestamente do seu trabalho, ajudando a construir lares, como você inteligentemente destacou.
Os arquitetos honestos precisam se defender é desse tipo de gente. E não dos clientes insatisfeitos que essa gente produz. Porque, como vimos no artigo do Valcyr Carrasco, a insatisfação é sempre generalizada para toda a categoria.
Caro Ênio Padilha,
ResponderExcluirAgradeço seu valoroso comentário mas em nenhum momento fiz qualquer ataque pessoal ao Walcyr Carrasco, a quem não conheço, uma vez que apenas apresentei os fatos a respeito da realidade dos arquitetos do interior do Brasil versus a realidade dos autores de novelas.
É inegável que a audiência das novelas, que rendem anunciantes, é buscada através da exploração de aspectos moralmente questionáveis e pouco edificantes para uma família, especialmente aquelas compostas de crianças.
Se as empresas e fornecedores da construção civil fechassem a torneira das reservas técnicas (concordo que seja um nome bonitinho para propina) não haveriam tantos arquitetos vivendo disso.
Infelizmente passamos pelo dissabor eventual de perder projetos para concorrentes que abaixam os preços da prestação de serviço essencial justamente para ter acesso às obras e abrir caminho para ganhar as comissões.
Realmente, eu defendi os bons profissionais e coloquei em voga uma discussão maior: a ética do mercado, do merchandising, das comissões.
Fico satisfeito por ter contribuído com esta discussão e concordo com alguns pontos levantados pelo Walcyr Carrasco. Só não concordo em jogar na mesma vala todos os arquitetos, como ele fez apesar das ressalvas sem valor perante o teor geral de sua escrita.
Abraços!
Maravilhoso texto, concordo sim que a melhor defesa é o ataque, até porque mesmo não tendo tal condução anti-ética, fomos atacados e menosprezados ferozmente pelo autor. No próximo post do blog você poderia explicar mais como um "decorador" (como ele mesmo define) trabalha! Não apenas obrigando os clientes a comprar coisas caras, e sim adequando a realidade dele, com o que ele quer e o desafio maior, com o que ele realmente precisa para suprir as necessidades do dia a dia e em complemento disso receber bem suas visitas, porque o homem não nasceu para viver só.
ResponderExcluirOlá Priscylla Tavares,
ResponderExcluirFico satisfeito que tenha apreciado meu texto e não imaginava que ele teria a repercussão que está tendo não só aqui mas nas redes sociais também.
No entanto, não pretendo levar essa questão adiante, com outro post no blog, a não ser que ocorra um evento excepcional. Coloquei meu posicionamento nela e creio que outros profissionais podem se manifestar também, comentando e passando o texto adiante.
Realmente, não nascemos para viver isolados e isso vale para os arquitetos também. Até mais!
Muito bom!
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