Paulo de Liverpool

A longa e sinuosa fila para realizar um sonho.
A longa e sinuosa fila para realizar um sonho.

Paulo de Tarso, em sua carta aos Coríntios, assim escreveu:
"Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, e não tivesse amor, seria como o metal que soa ou como o sino que tine."

Paulo de Liverpool também escreveu sobre o tema:
"Agora no final, o amor que você recebe é igual ao amor que você concebe."

Outra passagem memorável de Paulo de Tarso, mais conhecido como São Paulo:
“Quando eu era criança, falava como criança, pensava como criança, raciocinava como criança, desde que me tornei homem, eliminei as coisas de crianças.”

E foi quando era criança que ganhei do Tio Gijo meu primeiro disco de Paulo de Liverpool, famoso mundialmente como Paul McCartney. Tinha oito anos de idade e dois discos dos Beatles na minha pequena coleção. Um dia minha família foi visitar o Tio Gijo em São Paulo e ele nos levou numa loja de discos maravilhosa.

Quando ele me ofereceu o presente, perguntou que disco eu queria ganhar. Dos Beatles, lógico. Mas ele argumentou que Paul McCartney tinha sido dos Beatles e que seu disco era um lançamento e eu deveria ouvir coisas novas. O álbum em questão era "Give My Regards to Broad Street". Este Long Play de vinil ajudou a moldar meu gosto musical. Isso foi há trinta anos.

No Natal daquele ano pedi uma guitarra de presente para o meu pai. Pois quando crescesse, queria ser que nem o Paul McCartney.

Acho que decepcionei meu pai, pois nunca aprendi a tocar guitarra direito. E decepcionei São Paulo também, pois cresci e não deixei de fazer certas coisas do tempo de criança: ainda escuto as músicas de Paul McCartney.

Quando eu tiver 64 anos ainda ouvirei as canções de Paul.
Quando eu tiver 64 anos ainda ouvirei canções de amor.

Nesses trinta anos muita coisa aconteceu.

Meu irmão se tornou adulto bem mais depressa do que eu, apesar de ser menos de três anos mais velho. Ele conheceu uma linda garota, casou-se com ela e me convidou para ser padrinho de sua filha, a Sarah. Aceitei a honraria sem pensar que exerceria o papel de padrinho em sua plenitude, pois em questão de meses o casal recém formado nos deixaria precocemente.

Ficou um vazio na alma. Meu Tio Gijo precisava fazer algo por mim. Ele me arrastou para um bar de pescadores numa praia de Caraguatatuba. Ali tive que experimentar uma pina colada com a brisa do mar potencializando minha capacidade de entendimento. Foi quando o Gijo olhou em meus olhos e disse:"Jean, quando você tomar ciência de seu potencial, ninguém vai te segurar."

Uma frase simples que deu a senha: eu precisava seguir vivendo. Fui em frente tentando cumprir as promessas feitas ao meu irmão e minha cunhada, que basicamente era cuidar da Sarah.

Por incontáveis vezes eu a levava em seu quarto para dormir e contava histórias. Ensinei ela a gostar de Rock e torcer pelo Palmeiras. Sempre comentava que um dia a levaria no Estádio Palestra Itália, para ver um jogo ao vivo.

Surpreendentemente anunciaram que o velho campo do Palmeiras seria demolido para dar lugar a uma nova arena, e marcaram um último jogo contra o Boca Juniors. Eu não podia passar pela pecha de mentiroso diante da Sarah e fomos juntos ver a derradeira partida de futebol no Parque Antártica. O Verdão perdeu por dois a zero.

E o que isso tem a ver com Paul McCartney?

Quatro anos depois agendaram a reinauguração do Estádio Palestra Itália, agora com um novo nome: Allianz Parque. O primeiro evento com capacidade total de público foi justamente um show de Paul McCartney, ocorrido em 25 de novembro de 2014 - uma data memorável para mim e para a minha afilhada, a Sarah. Uma coincidência que parece ter sido escrita por alguém.

Em termos arquitetônicos, o novo estádio do Palmeiras é espetacular, sem qualquer exagero. Choveu cântaros em São Paulo, mas quem estava sob as arquibancadas cobertas não se molhou.

"Agora vejo em parte, mas então veremos face a face..."
"Agora vejo em parte, mas então veremos face a face..."
E não é preciso chover no molhado para elogiar Paul McCartney - o gênio artístico do Século 20. Em quase três horas de espetáculo, tive a minha própria vida revisitada pelas canções do ex-Beatle, eterno Beatle. As canções românticas, que embalaram as minhas primeiras paqueras; e as baladas, que me acompanharam nas primeiras voltas de carro. Certamente boa parte dos 50 mil espectadores sentiram algo parecido.

Quando Paul cantou "Something" em homenagem ao saudoso George Harrison, é claro que lembrei de meu irmão. Como eu queria que ele estivesse ali, comigo. Foi emocionante, um duradouro nó na garganta com olhos marejados.

Nos últimos acordes da noite percebi que cresci e não consegui ser como Paul McCartney, mas fiquei feliz em saber que usei como referencia, mesmo que inatingível, alguém que passou a vida entoando músicas sobre o amor, nada mais. Um belo exemplo de vida de alguém que chegou aos 72 anos de idade sem nunca ter saído da crista da onda.

Na volta para casa, já de madrugada, mesmo pegando a estrada para o interior debaixo de pancadas de chuvas torrenciais, não tive medo. Guiei com entusiasmo e elevado grau de atenção, devido à adrenalina do show. Estava de alma lavada, com a certeza de que um ciclo de trinta anos estava se encerrando. Pois é, estou ficando velho. Sem problemas.

Quando envelhecer, quero ser que nem o Paul McCartney.

All the best,

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6 comentários:

  1. Respostas
    1. Ótimo texto, Jean! Voce sintetizou bem, tudo aquilo que nós que tivemos a felicidade ver o grupo de Liverpool revolucionar a musica, os costumes e por que não dizer o mundo, gostaríamos de dizer. Particularmente sempre digo que os Beatles, ajudaram a mudar a minha vida. E uma coisa interessante que voce comentou. É a força, a beleza e o fascínio que a musica Something exerce sobre as pessoas. Eu estava vendo pela TV e juntamente com um grupo de amigos, comentando pelo Facebook, o que estávamos assistindo. Ao término da musica com que o Paul homenageou o grande Harrison, eu escrevi. "Something já valeu o show, pode ir embora todo mundo. Salve George"! Parabéns mais uma vez Jean!

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    2. Caro Romeu, como eu gostaria de ter conhecido você bem antes de 2002, naquele passeio inesquecível do Clube do MP Lafer para o Guarujá. A gente é palmeirense, ferrarista e George é nosso rei. Grande abraço, amigão!

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  2. The emotion speaks louder, "young" Jean. Great jean!!!

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