Arquitetura do silêncio em fotografia e poesia

A caligrafia miúda do gigante poeta Manoel de Barros, em correspondência com a fotógrafa Adriana Lafer.
A caligrafia miúda do gigante poeta Manoel de Barros, em correspondência com a fotógrafa Adriana Lafer.

A parceria da fotógrafa Adriana Lafer com o poeta Manoel de Barros materializou-se numa exposição que evoluiu para um livro-objeto, encerrando um universo de sensibilidade em si mesmo.

Por Jean Tosetto

A paulistana Adriana Lafer Rosset sempre se interessou pela fotografia - atividade que  resolveu abraçar por completo a partir do ano 2000, quando buscou aprimoramento em sucessivos cursos, mantendo contato com outros profissionais e tutores numa arte que aparentemente está ao alcance de todos, com suas máquinas digitais e smartphones. Ocorre que a caneta e o papel, sem contar os teclados, também são ferramentas populares, mas não esbarramos com um poeta em cada esquina, assim como não topamos com fotógrafos sensíveis no cotidiano. Encontros entre tais fotógrafos e poetas são mais raros ainda.

Coube à curadora Rosely Nakagawa, especialista em fotos de arte no Brasil, identificar afinidades nas temáticas abordadas tanto pela fotógrafa Adriana Lafer como pelo cultuado poeta Manoel de Barros. Ambos retratam, com imagens ou palavras, as coisas aparentemente simples que dão sentido à vida, como o ambiente familiar, as árvores, o vento, os raios de sol, as crianças brincando, os pássaros, as borboletas. Nas palavras de Manoel de Barros:

"Arte não pensa: 
O olho vê, a lembrança revê, e a imaginação transvê.
É preciso transver o mundo."

Que delicioso desafio de "transver" o mundo através da fotografia! Foi tentando materializar o vento que Adriana Lafer compôs sua primeira exposição individual, inspirada na poesia de Manoel de Barros. A mostra "Ao Vento" foi realizada em São Paulo no ano de 2010, com 14 imagens impressas inusitadamente em cetim de seda, no formato de 100 x 66 cm cada. As fotografias não ficaram emolduradas em paredes, mas dispostas em suportes de acrílico. Sobre o sucesso do evento, o poeta escreveu para a fotógrafa:

"A foto traz além de ritmo e melodia, a secreta harmonia. Penso que harmonia é a arquitetura do nosso silêncio que quase esconde o nosso júbilo e a nossa dor. A alegria e a dor do artista estão escondidas no silêncio da harmonia. Isso você mostra. Meus parabéns pelo corpo do vento e por tudo que consegue ver nos seus trabalhos."

A carta, escrita em agosto daquele ano, foi o mote para o projeto deste livro-objeto, inspirando também seu título. O percurso até a publicação do mesmo foi longo, a ponto do poeta temer por não vê-lo concluído, o que infelizmente aconteceu em função de seu passamento, em novembro de 2014, aos 97 anos bem vividos, em Campo Grande, Mato Grosso do Sul.

Aspecto externo do livro-objeto "Arquitetura do silêncio", que se desdobra para abrir um universo de encantamentos pelas coisas simples da vida.
Aspecto externo do livro-objeto "Arquitetura do silêncio", que se desdobra para abrir um universo de encantamentos pelas coisas simples da vida.

Finalmente em 2015 o livro "Arquitetura do silêncio" ganhou corpo pelas Edições de Janeiro, uma editora carioca. Olhando somente pela capa, ele parece pequeno - tem apenas 12,5 x 16,5 cm - mas suas seis dobras promovem a abertura de um universo inteiro, distribuído por 96 páginas dividias em dois volumes, o primeiro com fotos de Adriana Lafer e o segundo com poemas de Manoel de Barros.

Não se trata de um livro convencional, que se lê da esquerda para a direita, em sequência devoradora. A melhor forma de compreendê-lo é intercalando as imagens com as palavras, algo que no formato eletrônico se perderia, como suas impressões também se perderiam na bruma da velocidade da era digital. É preciso um momento de desaceleração para imergir nos encantamentos da obra conjunta.

O volume da esquerda é composto por fotografias de Adriana Lafer, que dialogam com a poesia de Manoel de Barros no volume da direita. Quem conduz esta conversa é o leitor-observador.
O volume da esquerda é composto por fotografias de Adriana Lafer, que dialogam com a poesia de Manoel de Barros no volume da direita. Quem conduz esta conversa é o leitor-observador.

Não espere por revelações profundas e ensinamentos filosóficos. O que Manoel de Barros e Adriana Lafer oferecem para você está ao alcance de todos, mas que paradoxalmente nos parece intocável, por causa da grossa luva de modernidade que nos reveste. Por isso concluímos com mais palavras do poeta:

"Deus deu a forma. Os artistas desformam.
É preciso desformar o mundo:
Tirar da natureza as naturalidades."


Veja também:

5 comentários:

  1. Jean Tosetto, Parabéns pelo ótimo artigo da Adriana e por sua curiosidade em diversos assuntos. Seu trabalho é incrível ! Abs, Paula.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Obrigado, Paula. A Arquitetura abre janelas para uma infinidade de temas e o arquitetos são curiosos por definição. Abraços!

      Excluir
  2. Querido Jean
    Quero parabenizá-lo pelo primoroso artigo, fruto de uma pesquisa engajada e cuidadosa.
    Você conseguiu sintetizar a essência do processo de concepção do meu livro com o poeta Manoel de Barros e entendeu a alma dele!
    Muitíssimo obrigada pelo carinho e dedicação de seu tempo.
    Um grande abraço, Adriana Lafer

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Prezada Adriana, agradeço suas palavras.
      Lembro do lançamento de meu livro sobre o MP Lafer em São Paulo, quando seu pai me confidenciou que você estava mergulhada no processo de compor sua obra em parceria com o poeta Manoel de Barros.
      Quando li os primeiros comentários a respeito do meu projeto editorial, senti tamanha gratidão que decidi tentar retribuir essa gentileza para o próximo, sempre que possível.
      Ainda me sinto em dívida nessa conta, de modo que foi um prazer investigar a origem da "Arquitetura do silêncio".
      Que venham mais livros!
      Abraços,
      Jean

      Excluir
    2. Jean,retribuir com gentilezas aos outros as nossas gratidões é transformador. Obrigada por me passar este bastão!
      Abçs,
      Adriana

      Excluir