Sobre café, laranjas e maçãs

O que não pode faltar no balcão da cozinha: maçã, café e laranja.
O que não pode faltar no balcão da cozinha: maçã, café e laranja.

Os arquitetos estão entre os profissionais que mais apreciam café. Eles gostam tanto da bebida que aqueles que atuam também como urbanistas adoram reservar as melhores esquinas para os cafés diante das praças mais mirabolantes que nunca sairão do papel. Arquitetos possuem um fascínio intrínseco por projetar hipotéticos centros culturais e cafés, desde o tempo da faculdade.

Não escapo de tal definição. Por muitos anos tomei em média cinco xícaras de café por dia, com aquela sensação de impunidade que acompanha os jovens em seus atos impulsivos - e compulsivos. O problema não é exatamente o café, mas o açúcar que o adoça. Nunca tive problemas de pressão arterial e ganho de peso, mas de uns tempos para cá percebi que isso começou a mudar.

Antes de atravessar a barreira dos estragos irreversíveis decidi maneirar com o café, reduzindo seu consumo diário para três xícaras. Não deu resultado. Minha pressão chegou ao limite aceitável e minha barriga começou a ficar saliente. Só teve um jeito: voltar a fazer ginástica e abandonar o café – e o refrigerante e outras tentações. Obviamente isto é impossível, então me conformei em tomar apenas um café por dia.

Ao acordar troquei o pão com manteiga mergulhado no café com leite, por um copo de leite com mel e uma banana nanica. Começo o trabalho e, no miolo da manhã, antes do almoço, vou preparar aquele único café eleito para a jornada. São três colheres de Leite Ninho e uma de Nescafé. Para a Nestlé não ficar soberana na receita, adiciono duas colheres de achocolatado Toddy e uma pitada de pó de canela.

O ritual se completa com um pouco de água para formar um creme. Adiciono mais água até a metade da xícara e levo ao forno de micro-ondas por trinta segundos. Sorvo cada gole daquele cappuccino caseiro com um prazer que não sentia antes, quando tomava café de modo automático. O cheiro é mais gostoso e o vapor que escapa da camada superficial de espuma invade as narinas, catalisando o meu bem estar.

As lacunas das outras duas xícaras de café foram preenchidas por duas frutas mundialmente populares: a laranja e a maçã. No meio da tarde faço outra pausa no trabalho, vou até a cozinha e pego uma laranja na geladeira. Tenho preguiça de descascá-la, então a corto ao meio. Abro a janela sobre a pia e deixo a brisa entrar, devorando a laranja ali mesmo, de pé.

A casca encosta nos cantos dos lábios, trazendo uma pequena ardência e um princípio de queimação, provocando uma leve dormência na língua. Cuspo as sementes no canteiro gramado e sequer tenho vontade de escovar os dentes, por causa do sabor cítrico carregado pela sutileza do bagaço que samba sobre as papilas gustativas. Sensações que apenas um suco de laranja na caixinha não consegue transmitir.

Depois do expediente troco de roupa e saio para fazer uma caminhada, na qual costumo ter boas ideias para o dia seguinte. Quem vai comigo? Uma maçã argentina. Elas são doces e suculentas. A cada mordida o caldo misturado com a saliva faz minha mente viajar. Fico imaginando extensos campos de macieiras no sopé da Cordilheira dos Andes, irrigados por riachos formados pelo degelo da neve das montanhas.

Vejo argentinos mestiços - meio europeus e meio índios dos Pampas - colhendo as maçãs com suas blusas de lã verde oliva sobre calças beges encardidas. Caminhões antigos da Ford as transportam para uma cooperativa, passando pelos parreirais de arcaicas vinícolas. Nem tenho certeza de que é assim que acontece, mas prometo a mim mesmo que um dia visitarei aquelas paisagens.

O resultado da mudança de hábitos? Estou conseguindo controlar meu peso e minha pressão arterial voltou ao normal. Campanhas publicitárias poderiam explorar isso para vender mais laranjas e maçãs, mas você nunca verá George Clooney em cartazes na feira de seu bairro. Ele trabalha exclusivamente para a Nestlé, que investe milhões de dólares ao ano para você tomar o café encapsulado e patenteado dela.

O que acontece com aqueles que não cortam o açúcar da rotina.
Antes de ficar assim de verdade, resolvi mudar alguns hábitos.

O que você acabou de ler foi escrito por alguém que trabalhou de graça para divulgar os produtos de todos aqueles que plantam e colhem laranjas e maçãs. Como arquiteto pensarei em reservar um espaço nobre para o consumo de tais frutas no meu próximo e hipotético projeto de centro cultural, de frente para uma praça a céu aberto, pois praça coberta de Shopping-Center não combina com tal idealismo.

Por Jean Tosetto


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3 comentários:

  1. Caro Jean, ótimo texto!

    Os resultados dos seus projetos são incríveis! A gente que mora em apartamento quando vê casas tão bem planejadas e construídas fica com muita inveja! rsrs
    E, claro, também com muita vontade de residir em um lugar assim. Um dia ainda serei seu cliente!

    Se me permite lhe dar uma dica, sobre a questão da alimentação e exercícios físicos...

    Eu me preocupo muito com a minha saúde e também com o meu condicionamento físico. Porém, um dos prazeres que a vida nos dá é poder comer e beber. E, infelizmente, a maioria das coisas gostosas normalmente não é exatamente saudável.

    Eu como e bebo tudo o que tenho vontade, porém em contrapartida faço exercícios físicos intensos e consigo assim ter uma ótima saúde e aparência física.

    Caminhar é legal, corrida leve também. Eu inclusive pratico caminhada e corrida às vezes, mas essas atividades não nos dão um resultado adequado e rápido. O que funciona melhor são exercícios de força e que exigem bastante da nossa capacidade cardiorrespiratória.

    Como comida de verdade, frutas, enfim, coisas saudáveis. Mas não me restrinjo - às vezes até exagero - a comer outras coisas (que os nutricionistas proíbem) por prazer e saborear algumas xícaras de cappuccino ao longo do dia.

    Enfim, isso que gostaria de lhe recomendar: buscar por atividades físicas intensas para não deixar de saborear o que gosta. Desde que iniciei essa rotina, tudo ficou melhor, além de poder comer tudo o que desejo, minha disposição aumentou, a vida sexual melhorou, o rendimento no trabalho cresceu etc.

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    1. Caro Anônimo, considero seu comentário um complemento para o meu texto, agradecendo a sua leitura.

      O ofício da Arquitetura pode ser um tanto sedentário, por isso concordo com você: só com caminhadas leves não conseguimos equilibrar o consumo com o gasto de calorias, Há alguns meses retomei a frequência na academia de ginástica, pelo menos duas vezes por semana.

      Como não sou muito assíduo, ainda preciso maneirar na alimentação e confesso que não estou sentindo falta de certas guloseimas.

      O mesmo digo em relação a este site (blog): também busco um equilíbrio nele, não expondo apenas os projetos, mas tangenciando outros aspectos da vida, que vai muito além das pranchetas e dos canteiros das obras.

      Agradeço suas dicas e espero um dia poder desenvolver um projeto para você. Abraços!

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    2. Ótimo! Continue com o excelente trabalho.
      Abraços!

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