"Fico muito contente em dias de concretagem de lajes, dado que isso é simbólico e representa que uma família acaba de ganhar um teto." |
Nós, arquitetos, servimos a alguém enquanto pessoa física ou jurídica. Nós servimos (ajudamos) pessoas, empresas, cidades, a sociedade. Parte da beleza da profissão reside na seguinte pergunta: "o que posso fazer por você?"
Mensagem em itálico recebida em 13 de maio de 2016, e respondida na manhã seguinte:
"Olá Jean, boa noite! Sou estudante do 3°ano do ensino médio, e como muitos estou naquela fase de dúvidas: 'O que vou fazer da minha vida'. Atualmente venho me debatendo com inúmeras perguntas, medos e inseguranças em questão do curso que pretendo escolher, que no caso é, Arquitetura e Urbanismo. Acho que os meus medos são baseados no pensamento de não dar conta do recado, das críticas alheias (nada construtivas) ou até mesmo da falta de incentivo da minha família. Tenho medo de não me adaptar ao curso, confesso que não sou a rainha das exatas e tão pouco sei desenhar muito bem, mas me esforço como posso e ainda assim sou apaixonada pelo curso. Na realidade não sei o verdadeiro sentido desse e-mail, entrei em seu site e vi um pouco do seu trabalho, dos seus conselhos aos estudantes e resolvi lhe escrever, talvez na vontade de receber um conselho ou até mesmo um incentivo."
Estimada Thaisa, presumo que você tenha entre 17 e 18 anos de idade e nessa época da vida a nossa cabeça está sendo chacoalhada o tempo todo por um turbilhão de emoções, pressões, informações. Nem sempre temos por perto pais compreensivos, pois eles são de outra geração e parecem não entender bem os nossos anseios - ou a gente acaba pensando que eles não podem nos ajudar, quando no fundo podem. Não é todo mundo que tem um tio maneiro para trocar umas ideias sem ressalvas, ou mesmo um irmão mais velho, que já apanhou um pouco mais da vida e pode nos dar uns toques preventivos.
Sei o que você está passando, pois de certo modo me vejo em você, nos seus questionamentos, e para mim é sempre um prazer tentar ajudar. O incentivo para estudar Arquitetura você já tem. Com relação aos conselhos, ainda penso que seria pretensão minha querer cravar eles para você. Portanto, não aceite minhas palavras como verdades absolutas, apenas como referências. Tenha senso crítico acima de tudo.
"O que é ser um arquiteto para você?"
Ser arquiteto, para mim, é antes de tudo ser um prestador de serviços. Nós, arquitetos, servimos a alguém enquanto pessoa física ou jurídica. Nós servimos (ajudamos) pessoas, empresas, cidades, a sociedade. Parte da beleza da profissão reside na seguinte pergunta: "o que posso fazer por você?"
A motivação de um arquiteto não é ganhar dinheiro, embora isto seja uma consequência, mas primordialmente atuar pelo bem de cada um, com reflexos positivos em todo o contexto.
"Em que ou quem se espelhou para ser tornar o profissional que é?"
Na sua idade não tive um arquiteto como referência. Apreciava o trabalho do quadrinista Will Eisner, criador do personagem The Spirit, em histórias carregadas de expressionismo em perspectivas muito bem elaboradas, com um apelo visual cativante. Gostava também das Aventuras de Tintim, do cartunista Hergé, em álbuns minuciosamente planejados. Pensei que, ao cursar Arquitetura, poderia trabalhar com artes visuais no futuro. Somente durante o curso tomei gosto pelas atividades convencionais de projeto, estudando grandes arquitetos como o americano Frank Lloyd Wright e o finlandês Alvar Aalto. No tocante ao modo de trabalhar, minhas referências foram meus pais e tios, que sempre agiram com respeito à ética e ao próximo.
A novela gráfica "O Edifício", de Will Eisner, foi publicada em português pela Editora Abril em fevereiro de 1989. |
"Valeu a pena?"
Sim, está valendo a pena. Esta pergunta não tem uma resposta definitiva, pois no final da vida, vamos repassá-la em perspectiva. E se deixar de valer a pena, não existe compromisso perpétuo com um diploma. A carreira de um arquiteto não é uma brincadeira de autorama, onde os carrinhos só podem correr nas fendas eletrificadas. Nós temos a liberdade de escolher outros caminhos.
"São tantas perguntas, mas que apenas uma resposta já me deixaria satisfeita: dizer que é feliz com a profissão que escolheu, porque é isso que quero ser, feliz! Independente de qual carreira seguir."
A pergunta correta é se eu me sinto realizado e neste caso vou dizer que sim: encontrei um ofício que é parte importante da minha vida. Com relação à felicidade, ela nunca será plena, pois ela é experimentada em contraste com momentos que não são felizes, e não se iluda: na Arquitetura as agruras também estão presentes.
Trabalha-se muito e dorme-se pouco, pois os projetos se abrem na sua mente mesmo quando você está na cama querendo pregar os olhos. Fico triste ao lembrar que arquitetos e urbanistas não tem espaço nas prefeituras das cidades brasileiras, para atuar no correto planejamento das mesmas. Também me entristeço em saber que certas entidades, que representam a profissão, na verdade defendem ideologias com as quais a maioria dos arquitetos não concorda.
Porém, é claro que existem momentos de intensa felicidade, sempre que uma obra é concluída com sucesso, ou quando seus contratantes saem sorrindo de uma reunião no escritório, ou mesmo quando eles recomendam seu trabalho para seus amigos. Fico muito contente em dias de concretagem de lajes, dado que isso é simbólico e representa que uma família acaba de ganhar um teto.
"Enfim, obrigada pela atenção e desculpe pelo tempo que lhe roubei e talvez pela indelicadeza de fazer tantas perguntas e até mesmo um desabafo."
Não se preocupe. Esse tempo não foi roubado, foi ganho. Ao escrever para você, reforcei as minhas convicções na necessidade de, sempre que possível, colaborar com as pessoas. Estamos aqui neste planeta justamente para tanto. Lhe desejo toda a felicidade que possa caber em seu coração. Portanto, priorize fazer as coisas que aumentem o tamanho dele, metaforicamente.
Saudações cordiais,
Jean Tosetto
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