A geometria a serviço da simplicidade atemporal na fachada deste sobrado no Reserva Real em Paulínia. |
Após anos seguidos de recessão econômica, o Brasil entrou num novo ciclo de lenta recuperação da construção civil, no qual a racionalidade para planejar e construir uma residência se impõe mais intensamente sobre o mero arrojo estético de uma obra.
Excluindo os municípios da Grande São Paulo, Campinas é a maior cidade do interior paulista, ultrapassando um milhão de habitantes. Sua gama de serviços faz dela o centro de uma região metropolitana que supera, em atrativos, diversas capitais brasileiras.
Porém, morar perto de Campinas é melhor do que morar na própria cidade para muita gente, especialmente em função de um problema recorrente ligado aos aumentos do IPTU – Imposto Territorial Urbano – que historicamente sempre foi elevado em relação aos municípios do entorno.
Muitas pessoas que trabalham em Campinas têm procurado cidades menores nas imediações para morar, de preferência que não tenha pedágio no caminho. Paulínia, com uma população dez vezes menor que a de Campinas, é uma delas.
Por abrigar indústrias de grande porte, como a Refinaria do Planalto da Petrobrás e a fábrica de produtos químicos da Solvay-Rhodia, Paulínia depende menos da arrecadação do IPTU como acontece em outras cidades, além de oferecer serviços públicos de saúde e educação que atraem as famílias nos arredores.
Loteamentos fechados: uma tendência
Dentre os lugares de Paulínia mais procurados por famílias onde o casal trabalha em Campinas estão os loteamentos fechados – popularmente conhecidos como condomínios – próximos da Estrada da Rhodia, que liga a empresa ao distrito de Barão Geraldo em Campinas; ou da Rodovia Zeferino Vaz, na região do Parque Brasil 500, que engloba o Okinawa, o Terras do Cancioneiro e o Reserva Real – nome comercial do Residencial Real Park Paulínia.
O Reserva Real tem características particulares, como a extensa área de lazer separada da gleba residencial, ainda não habilitada para plano uso. Este loteamento fechado tem duas portarias: o acesso social para moradores e visitantes fica no fim de uma via lindeira ao loteamento Okinawa, com início na Concessionária Carlos Cunha da Chevrolet, sendo um meio prático para ingressar na Rodovia Zeferino Vaz, a poucos minutos da Rodovia Dom Pedro em Campinas.
Já o acesso para prestadores de serviços fica na outra extremidade do empreendimento, mas acaba sendo usado também pelos moradores que desejam se dirigir ao centro de Paulínia, por uma via secundária que conduz diretamente ao Portal Medieval, na cabeceira da Avenida José Paulino, a principal da cidade.
O regulamento
O Reserva Real de Paulínia possui diversos lotes com 300 metros quadrados, com dimensões de 10 metros de largura por 30 metros de comprimento. Trata-se de uma largura relativamente estreita, que praticamente impede que as residências tenham dois corredores laterais livres.
Para evitar a ocorrência de duas ou mais residências contíguas, feito casas geminadas, o regulamento interno do empreendimento determina que apenas uma divisa lateral possa ser ocupada, sendo que na divisa oposta apenas a garagem para os automóveis pode se apoiar no muro de divisa. No caso, os afastamentos laterais devem ser orientados para o norte ou sol nascente, de modo a estabelecer intervalos regulares entre as construções.
O passeio público – ou calçada – também é ordenado de modo a gerar duas faixas gramadas com 60 centímetros de largura junto à guia e 90 centímetros de largura junto à testada de cada lote, com uma faixa central pavimentada com 150 centímetros de largura, em gomos de concreto vassourado, com juntas de dilatação a cada metro. Esse padrão é inspirado nos loteamentos modernos dos Estados Unidos, com a diferença de que lá toda a fiação elétrica é enterrada.
Detalhe da planta baixa do pavimento térreo do projeto, que engloba a implantação no lote e o detalhamento do passeio público conforme as normas internas do loteamento fechado. |
Topografia suave
Outra característica do loteamento fechado Reserva Real é que grande parte de seus lotes são quase planos. Isso não impede que a movimentação de terra seja diminuta, pois é preciso garantir a declividade mínima para escoamento do esgoto sanitário e das águas pluviais. Para o esgoto a declividade mínima recomendada é de 3%. Já para as águas pluviais – águas da chuva – devemos adotar ao menos 1% de inclinação nos ramais que conduzem as águas à guia pública.
Levando em conta que a rede de coleta de esgotos é enterrada, precisamos garantir ao menos a tiragem eficiente das águas pluviais. Portanto, num terreno que é quase uma mesa, como no caso deste projeto, a cota de nível dos fundos deve ser pelo menos 30 centímetros mais elevada em relação à cota média na testada do lote.
Por margem de segurança, adotamos a medida de 40 centímetros na cota base do pavimento térreo para garantir, também, o correto funcionamento da coleta de águas até uma cisterna para posterior rega de jardim e lavagem de quintal.
Aqui, a cava para a piscina ajudou a diminuir os custos com a importação de terra para o nivelamento do alicerce do pavimento térreo.
A reprodução, sem escala, do levantamento topográfico do lote, indica que o terreno é quase plano, trazendo informações práticas para a definição das cotas de nível do projeto arquitetônico. |
A grande meta
Quando o casal de contratantes nos procurou para desenvolver o projeto para um sobrado, eles comunicaram que não tinham o capital integral para realizar o investimento, pois dependiam da venda de um apartamento justamente em Campinas.
Concordamos que esta era uma sábia decisão, pois a encomenda do projeto sinaliza que um grande objetivo, o de construir uma casa, está definido. Aqui entrou em voga um dos princípios da Lei do Triunfo proposta por Napoleon Hill: quando há um objetivo principal definido, as pessoas envolvidas com ele tomam providências que, direta ou indiretamente, conduzem à realização do intento.
Por coincidência, ou não, assim que o projeto foi concluído e aprovado na Prefeitura Municipal de Paulínia, o apartamento do casal foi vendido num período onde a economia do Brasil atravessava uma profunda recessão.
O projeto
Ciente de que nunca construímos uma casa apenas para nós mesmos, mas para eventuais compradores no futuro, o jovem casal nos encomendou um projeto para um sobrado que pudesse atender a uma família de até cinco pessoas, levando em conta que a filha deles estava morando em outra cidade, em função de um curso universitário.
Desenvolvemos o pavimento térreo com garagem coberta para dois carros e espaço para mais dois no recuo frontal. Perto do vestíbulo da porta social, reservamos espaço generoso para um ambiente reversível, que pode ser um escritório, sala de som e televisão, ou ainda um dormitório.
A garagem também dá acesso fácil para um depósito no corredor externo, ao lado da lavanderia coligada à cozinha, que por sua vez se integra com a varanda gourmet aos fundos, sendo separada da sala de jantar por uma porta de correr. Na sala de jantar fica o lavabo numa posição de fácil uso para quem está na varanda com a churrasqueira, de frente para a piscina.
A sala de estar é uma extensão da sala de jantar, com pé-direito duplo adornado pela escada que abriga uma futura adega sob seu descanso, cujo rebaixo no piso permite seu uso pleno, mesmo por pessoas de maior estatura.
No pavimento superior, o mezanino que conduz às suítes tem visão parcial do conjunto das salas no pavimento térreo. Na frente da casa ficam as suítes simples, todas com portas de correr para um terraço descoberto. Os sanitários delas tem a dimensão mínima de 1,35 m por 2,40 m, garantindo o conforto para as três peças essenciais: cuba em gabinete, bacia centralizada e chuveiro em boxe isolado.
Já a suíte do casal, nos fundos, é completa: possui um grande closet com superfície equivalente para alinhar doze portas de armário. O banheiro do casal comporta banheira de hidromassagem dupla, duas cubas sobre gabinetes e dois chuveiros, além da bacia sanitária com ducha higiênica.
O terraço que serve esta suíte fica debruçado sobre a varanda gourmet, com visão privilegiada da piscina, que por sua vez é separada do restante do quintal por um cercado de 90 centímetros de altura, em função de um cão de estimação que é o xodó da família.
No total, o projeto resultou numa área construída de aproximadamente 242 metros quadrados, dos quais 89 apenas no pavimento superior. A piscina, a garagem e a varanda somaram quase 72 metros quadrados, propiciando uma área livre de quase 50% da área do terreno, onde mais de 10% do mesmo foi preservado como área permeável.
A construção
Além de desenvolver o projeto completo, junto com nossos parceiros como o topógrafo José Roberto de Souza e o engenheiro eletricista Sylvio Zanetti, nós fizemos o acompanhamento da obra através de visitas regulares que cobriram as principais etapas da construção.
Dentre elas destacamos a visita para conferência do gabarito com a demarcação das estacas do alicerce, a conferência prévia das ferragens das vigas baldrames que completam as fundações da obra, a impermeabilização do alicerce devidamente nivelado, o respaldo das portas e janelas das paredes, a preparação das lajes através de painéis pré-moldados, a montagem da estrutura da cobertura – que no caso usou telhas metálicas num sistema embutido; e finalmente as visitas nas fases de acabamento, antes do pedido de “Habite-se” junto às autoridades locais.
O acompanhamento da obra é importante para a verificação de diversos itens especificados nos projetos de arquitetura, estrutura de concreto armado, instalações hidráulicas e elétricas. Em nossos relatórios de visitas, reportamos eventuais necessidades de correções em alguns aspectos, além das orientações gerais para a compreensão do processo construtivo por parte dos contratantes, geralmente leigos no assunto.
O porto seguro
Entre os primeiros estudos preliminares para o projeto, nos primeiros dias de 2016, e a entrega da construção em setembro de 2017, foram 21 meses de planejamento e execução da obra. É um prazo longo se comparado à busca por um imóvel já concluído, quando as pessoas desejam comprar a casa ao invés de construir.
No entanto, a considerar o tempo de uso do imóvel, estes quase dois anos de espera valem o investimento, dado a economia gerada pela administração dos recursos que evitam o ágio inerente a qualquer transação imobiliária.
A despeito da aquisição ou construção da casa própria ser um investimento de grande porte para a maioria das famílias brasileiras, é válido considerar que este tipo de imóvel não representa apenas uma tranquilidade financeira para quem usufrui do mesmo, senão também uma fonte de equilíbrio emocional que facilita o planejamento dos próximos passos na história de uma família.
A sacada frontal se converte numa terraço alargado com visão privilegiada da rua fartamente arborizada: lugar ideal para repouso sobre a sombra dos beirais da cobertura. |
O papel do arquiteto
Um bom o arquiteto não se limita a interpretar os desejos daqueles que o contratam com a expectativa de realizar um projeto único. Este profissional deve ir além, colocando sua experiência a serviço daqueles que passaram vários anos poupando recursos para iniciar um empreendimento. De que modo? Orientando sobre técnicas construtivas mais econômicas, identificando os limites impostos – seja por regulamentos e leis diversas, seja por condições físicas do entorno; além de conhecer a capacidade técnica da mão de obra local e no que ela pode contribuir para o resultado final da obra.
Posto isso, para nós é sempre um prazer fazer parte deste processo de crescimento – em vários aspectos – daqueles que firmam o grande propósito que significa edificar o próprio teto.
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