No período da Renascença, grandes artistas transitavam pela Arquitetura, Escultura e Pintura com notável desempenho. A Revolução Industrial fez surgir o profissional especialista. Agora, pessoas dotadas de múltiplos potenciais voltam a ser valorizadas.
A jovem Camila, do Rio de Janeiro, escreve para o Professor Ênio Padilha em 03 de fevereiro de 2017:
"Olá Professor Padilha! Tudo bem?
Vim pedir um conselho para você nesses tempos difíceis.
Tenho 26 anos, me formei em engenharia civil em abril de 2014, pela Universidade Estadual do Maranhão. Logo que recebi o diploma vim para o Rio de Janeiro cursar engenharia urbana que era meu grande sonho. Estou na fase final do curso. Nesse tempo que moro no Rio, tentei vagas de trabalho de diversas formas, mas sempre me falavam que, com a crise, não estavam contratando.
Como minha rede de contatos aqui é pequena, sempre lutei muito para conseguir alguma coisa, e-mail, telefone de empresas, contatos... Hoje estou passando por momentos bem complicados, tenho ajuda financeira dos meus pais, mas essa situação não me deixa confortável. Em abril, se nada conseguir no Rio, passarei um tempo em São Paulo, à procura de trabalho. Mas não tenho muitas esperanças, devido a falta da rede de contatos lá e pela crise que ainda deixa sequelas.
Tenho consciência das minhas qualificações e aptidões, gostaria muito de trabalhar com urbanização de favelas. Há um tempo, entrei em contato com uma arquiteta que tem um projeto de reforma habitacional em uma favela do Rio. Trabalhei em uma dessas reformas com ela, realizando projetos de engenharia. A reforma ainda não aconteceu, pois ainda não houve captação de recursos por parte do grupo financiador. Ela disse que ainda precisará de mim para continuação da obra, mas é tudo muito demorado e sem datas estipuladas.
Eu estou em busca de alternativas, entrei em contato com empresas que trabalham com outros ramos da engenharia urbana. São empresas de reciclagem e reutilização de materiais, área que gosto bastante. Sou muito empenhada em estudar questões de sustentabilidade.
Recentemente fiz um curso de bioconstrução com dois arquitetos que trabalham na área. Foi muito importante esse contato com eles, pois pude confirmar uma característica minha muito forte: a de querer construir de forma sustentável e com contribuição social. Mas não sei como fazer isso, pois não vejo oportunidades.
Estou em exaustão na procura por trabalho em todas as áreas. Não tem vagas ou não respondem.
Na área do empreendedorismo, me falta ter acesso aos locais onde gostaria de atuar e não acho pessoas que queiram participar. Precisaria de uma arquiteta ou arquiteto para realizar alguns dos projetos.
Se você puder me aconselhar de alguma forma eu agradeço muito, estou perdendo as esperanças de continuar na engenharia e sem perspectivas."
A resposta do Professor Ênio, de Balneário Camboriú, Santa Catarina, no dia 12 do mesmo mês:
"Prezada Camila
Estou encaminhando seu e-mail para o arquiteto Jean Tosetto, autor do livro ARQUITETO 1.0 -talvez ele possa ajudar com a sua dúvida."
Nosso complemento, no dia seguinte:
Camila, bom dia
Uma das qualidades que todo profissional deve ter, independente do ofício, é a capacidade de fazer a leitura do mercado de trabalho, e se posicionar antecipadamente, de acordo com o cenário a se apresentar.
Quando você ingressou na faculdade de Engenharia Civil, o mercado imobiliário estava aquecido e ensinavam para os mais jovens que eles deveriam buscar uma especialização para poder se destacar perante os demais e, de fato, com a grande demanda por engenheiros e arquitetos, aqueles que tinham conhecimento específico em determinada área tendiam a ganhar mais.
Neste momento, em que você tem poucos anos de formada, a economia brasileira está no meio de uma recessão profunda e o mercado imobiliário está quase congelado. Ainda assim existem oportunidades de trabalho, mas para pessoas com outro perfil: não mais o especialista, mas o dono de potenciais diversos. Os italianos chamam esse profissional de "Multipotenziale". Se puder, leia este breve artigo.
Neste ponto, você está bem posicionada: poucas faculdades formam alunos com tanta capacidade para ser "multipotenciais" quanto Arquitetura e Engenharia Civil. O que desejo afirmar com isso? Talvez não seja o momento adequado para você buscar especialização em Bioconstrução, se o mercado está valorizando aqueles que, além de noções de cálculo estrutural, hidráulica e elétrica, sabem fazer maquetes, acompanham obras, falam inglês, sabem escrever, dominam a burocracia para aprovação de projetos legais e, se precisar, vão trabalhar com segurança do trabalho (esta sim, uma especialidade que continua valorizada no mercado de trabalho em geral).
Se mesmo assim você deseja seguir com a Bioconstrução, resgate os contatos que você já tem no ambiente universitário - aqueles professores que lembram que você foi uma ótima aluna. Peça para eles te colocarem em contato com professores de alguma universidade paulista, para os quais você pode apresentar uma proposta para tese de mestrado em Bioconstrução que lhe renda uma bolsa da Fapesp. Será um caminho árduo? Sim, mas você terá uma renda para estudar e ser uma profissional valorizada quando o mercado imobiliário reaquecer, dentro de alguns anos.
Atenciosamente,
Jean Tosetto
O retorno da Camila, em 02 de março de 2017:
"Olá Ênio e Jean!
Muito obrigada pelos conselhos. Me ajudou muito a refletir sobre onde posso chegar e as escolhas que devo fazer.
Vou analisar minhas opções e buscar oportunidades.
Suas palavras me deram muita esperança e vontade em continuar na carreira com muito gás!
Agradeço pela atenção!"
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